Resumo
Esta Nota Técnica busca contribuir para o debate acerca das reformas educacionais recentes e de seus impactos para o ensino das Ciências Humanas no Ensino Médio e nos Anos Finais do Ensino Fundamental. De maneira comparada, foram analisadas as resoluções oficiais da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) que definem as matrizes curriculares para os anos 2020, 2024 e 2025 com vistas a compreender quatro questões principais: 1) o impacto da reforma do Ensino Médio de 2017 (Lei n. 13.415/2017) na carga horária das Ciências Humanas; 2) o impacto da reforma de 2024 (Lei n. 14.9845/2024) na eventual recomposição dessa carga horária; 3) a situação das Ciências Humanas nos Anos Finais do Ensino Fundamental na transição do ano letivo 2024-2025; e 4) o impacto da redução das cargas horárias de Ciências Humanas no trabalho docente na rede estadual paulista. Os dados apontam para uma redução significativa das Ciências Humanas no ensino de crianças, adolescentes e adultos na Educação Básica paulista entre 2020 e 2025. No Ensino Médio, houve cortes nas cargas horárias de História, Geografia, Sociologia e Filosofia em escolas de tempo parcial e integral, tanto em decorrência da implementação da Lei n. 13.415/2017 quanto, mais recentemente, da nova reforma do Ensino Médio. A despeito da expectativa de recomposição das aulas de Ciências Humanas, fermentada pelo restabelecimento das 2.400 horas da Formação Geral Básica estabelecido pela nova lei do Ensino Médio, a Seduc-SP reduzirá ainda mais a presença das Ciências Humanas no currículo das escolas estaduais em 2025. A redução da carga horária de Ciências Humanas identificada na análise das matrizes curriculares e a manutenção da oferta sistemática de ensino a distância para o Ensino Médio noturno indicam que o governo paulista pode estar descumprindo a Lei n. 14.945/2024. A redução das Ciências Humanas observada nas análises não se limita ao Ensino Médio: para 2025, a Seduc-SP também prevê carga horária menor de Ciências Humanas nos Anos Finais do Ensino Fundamental, reduzindo de forma inédita o número de aulas de História e de Geografia. Análises do processo global de atribuição de aulas a docentes de Sociologia no final de 2024 e do caso concreto de uma escola de Anos Finais de Ensino Fundamental também indicam que a redução da carga horária das Ciências Humanas impacta negativamente o trabalho docente na rede de ensino, produzindo sobrecarga, piora das condições de trabalho e insegurança profissional.
Contextualização
Espraia-se pelo Brasil um tipo de reformismo educacional que promete resolver os problemas e gargalos históricos da educação brasileira sem fazer os investimentos e aportes financeiros necessários. As melhorias prometidas, pelo contrário, são tipicamente acompanhadas por propostas de redução dos recursos destinados à educação. É este o caso do estado de São Paulo, cujo governo vem realizando sucessivas reformas curriculares na rede pública de ensino, mas recentemente aprovou uma Emenda à Constituição Estadual (EC N. 55/2024) que diminuiu o percentual mínimo de aplicação na educação de 30% para 25% da receita resultante de impostos.
A despeito do tom inovador que as acompanha, os governos também não vêm prestando contas à população acerca dos impactos e resultados dessas reformas educacionais. Além da ausência de avaliações oficiais e independentes das mudanças promovidas na qualidade do ensino e nos indicadores educacionais, as tomadas de decisão da administração pública com relação às reformas educativas são cada vez menos informadas pelas evidências produzidas pelas pesquisas. Um exemplo recente são os estudos que apontaram que a reforma do Ensino Médio de 2017 produziu esvaziamento curricular e aumentou as desigualdades escolares (Cássio, 2022; Cássio; Goulart, 2022; Körbes et al., 2022; REPU, 2022; REPU; Gepud, 2023; Jacomini et al., 2024; Gepud, 2024). Ao mesmo tempo em que essas pesquisas contribuíram para a mobilização social pela revogação da Lei n. 13.415/2017, foram pouco levadas em conta no “redesenho” da reforma em 2024 (Lei n. 14.945/2024), que manteve diversos elementos-chave da reforma original.
Esta Nota Técnica aborda os impactos promovidos pela atual reforma educacional paulista no ensino de Ciências Humanas, analisando as matrizes curriculares recentes para a rede estadual de ensino. Para o Ensino Médio, comparamos a matriz curricular anterior à reforma do Ensino Médio de 2017, a matriz implementada em 2024 e aquela que será implantada em 2025 (que, em tese, deveria incorporar as mudanças promovidas pela nova reforma). Não trataremos de todas as matrizes curriculares adotadas no estado de São Paulo desde a reforma do Ensino Médio, que foram seis¹ Já para os Anos Finais do Ensino Fundamental, faremos uma comparação entre as matrizes curriculares de 2024 e de 2025.
Acesse a nota técnica na íntegra: Redução das Ciências Humanas no currículo da rede estadual paulista
¹ Isso revela a forte descontinuidade das políticas educacionais no estado de São Paulo, que torna inviável a consolidação de qualquer mudança, em prejuízo do funcionamento das escolas e da formação dos/as estudantes. A rede paulista adotou seis currículos distintos num período de apenas seis anos (2020 a 2025). Sobre isso, ver: Gepud e REPU (2023).