Ninguém fica pra trás



13/10/2020

No início do distanciamento e, consequentemente, fechamento das escolas, ocasionados pela Covid-19, o secretário de educação paulista Rossieli Soares anunciou que “não podemos deixar nenhum aluno para trás ”. Passados aproximadamente seis meses, o debate sobre recuperação escolar toma as falas do secretário, bem como as formações de gestores e professores, numa preocupação com o retorno parcial às aulas no dia 7/10/2020, na capital paulista – algumas escolas do interior já haviam retornado – para atividades de recuperação. Mas, recuperar o quê?

Quanto a formação e aprendizagem dos estudantes avançou no ano letivo de 2020? A experiência das escolas e professores, em que pese diferenças e especificidades, tem indicado que pouco dos conteúdos escolares foi desenvolvido nas atividades remotas e que este pouco se restringiu a uma parcela dos alunos, não obstante os esforços de professores, diretores e professores coordenadores. Situação que, em parte, é consequência das desigualdades sociais e escolares que foram intensificadas com a pandemia. As demandas deste momento são tantas que, nas atividades de replanejamento coordenadas pela Secretária Estadual de Educação – Seduc-SP – houve sugestão/aconselhamento para os professores “abrirem mão do currículo” ou privilegiarem o atendimento às necessidades socioemocionais dos estudantes. Ainda que a saúde mental de estudantes seja fundamental, a escola não é o espaço para tal, profissionais da educação não estão (e por que deveriam?) preparados para tal, visto que o tratamento da questão demanda qualificação e cuidados que não podem ser barateados em atividades de autoajuda.

Nas condições propostas pela Seduc-SP para a realização das atividades de recuperação, cabe indagar: como se recupera o aprendizado e a formação em regime de rodízio? O espaçamento entre as aulas, por conta do revezamento, não produzirá enormes dificuldades no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem? Como recuperar aprendizagens nessas condições?

Não é possível ignorar também que quando a Seduc-SP fala sobre recuperação está falando precisamente de duas disciplinas: Língua Portuguesa e Matemática, ignorando as demais. O argumento para isso é que todas as disciplinas lidam com as competências leitora e escritora, bem como o cálculo.

Esse foco nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática atrela-se às provas externas que contribuem para a construção do Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) de cada escola, verdadeira preocupação da Seduc-SP. De acordo com as orientações da Secretaria, no retorno às aulas presenciais haverá uma pré-Avaliação de Aprendizagem em Processo (AAP), seguida pela AAP propriamente e depois a prova diagnóstica feita pelos professores da turma. Em que pese a importância de avaliação diagnóstica, por que tantas? Aprende-se realizando provas?

São perguntas para as quais ainda não há respostas, contribuindo para inseguranças e incertezas acerca de um retorno sem condições sanitárias e de funcionamento das escolas no que se refere aos protocolos. Na lógica de “ninguém fica pra trás”, talvez ninguém fique mesmo, mas somente pelo fato de que ninguém avançou, uma vez que, no que é apresentado pela Seduc-SP, não há nada de novo, insiste em usar velhas fórmulas, numa lógica de que o ensino e a aprendizagem ocorrem num eterno avanço, numa perspectiva positivista, ignorando que, para se recuperar o aprendizado é preciso parar, retornar, repensar, pontos estes que a Secretaria de Educação parece não levar em conta.

Não seria oportuno, neste momento, preparar as escolas em termos de infraestrutura e de profissionais para um retorno presencial que garanta segurança em relação ao contágio, tão logo as condições sanitárias sinalizem tal possibilidade? Do ponto de vista do direito à educação, que envolve acesso à escola e educação de qualidade, não seria mais adequado reorganizar o ano letivo de 2020 e não apenas considerar o seu cumprimento de maneira formal? No dia 06 de outubro de 2020, Rossieli Soares sinalizou a possibilidade dos anos letivos de 2020 e 2021 serem organizados como um único ciclo. Mas para cumprir a função de minimizar a exclusão em relação às aprendizagens e à formação que o afastamento das atividades escolares, por tantos meses, ocasionou à maioria dos estudantes, é fundamental que tal proposta seja discutida e organizada com/pela comunidade escolar. Esta poderia ser a tarefa mais importante de todos aqueles diretamente envolvidos com a educação pública e à Seduc-SP caberia o importante papel de garantir todos os meios para isso, mais do que oferecer “tudo pronto” para professores e escolas realizarem, como em certa medida ocorreu com as atividades remotas, seria interessante dar condições e oportunidade para as escolas produzirem propostas de realização do ano letivo de 2020, a serem viabilizadas pela Seduc em todos os aspectos que demandarem.